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INTERVENÇÃO DO PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA NA CERIMÓNIA DE INVESTIDURA DO PROF. DOUTOR FOSÉ VEIGA SIMÃO, COMO DOUTOR "HONORIS CAUSA" PELA UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR (COVILHÃ, 10 DE OUTUBRO DE 1998) |
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Magnifico Reitor da Universidade da Beira Interior; Ilustrissimos Reitores de outras Uníversidades; Senhores Professores e Doutores; Caros Estudantes; Excelência Reverendissima; Minhas Senhoras e Meus Senhores; Querido Prof. Doutor José Veiga Simão: 1. Antes de mais quero saudar respeitosamente, na pessoa do seu Magnifico Reitor, a Universidade da Beira Interior. A universidade da minha Beira. Nasci no outro lado da serra. "Detrás de serra'', como se dizia no tempo dos almocreves que deste lado iam nos meus recuados tempos de menino. Depois que a minha aldeia foi ligada, por estrada, ao cocuruto das "Pedras Lavradas", dista agora da Covilha pouco mais de meia centena de qullómetros. Os almocreves, esses, já se tinham reformado antes. É bom ter uma Universidade ao pé da porta. É uma garantia de mais bacharéis, licenciados e doutores. De mais portugueses culturalmente qualificados, já que o Mundo moderno é implacável para a ausência de qualificação. E a Universidade da Beira Interior tem desempenhado superiormente essa missão. Honra aos seus docentes, aos seus estudantes, aos seus gestores, aos que nela trabalham. Glória ao seu reitor magnifico. 2. Não se pode dizer que eu seja um novato na arte de discursar. Tenho até a vaga impressão de que, em toda a minha vida, enquanto advogado e politico, não tenho feito outra coisa, o que não abona a minha imaginação. E embora sempre me tenha sentido mais avontade na critica do que no encómio, também não sou propriamente um principiante na arte do justo elogio. Porque é então que me sinto tão embaraçado ao fazer desta? Esta é, como já anteciparam, a tarefa tão gratamente assumida de apadrinhar o doutoramento "honoris causa" do prof. Doutor José Veiga Simão. Do meu velho e querido Amigo José Veiga Simão. De facto, porquê o embaraço? Não é, seguramente, porque Ihe faltem atributos referenciáveis. É então porquê? Creio eu que por duas fundamentais razões: o próprio excesso de qualidades e virtudes a justificar o risco de ficar aquém do justo retrato; e a circunstância de ter de usar palavras para caracterizar sentimentos de admiração e afecto que nunca precisaram delas. Peço-vos que se imaginem a elogiar discursivamente um amigo de sempre, que mais do que um amigo é um irmão. E compreendereis o meu embaraço. E como se tivesse de por momentos me pôr de fora de sentimentos de afeição e apreço que sempre, com infinita dedicação e ternura, guardei dentro de mim. Eu soube sempre, e desde muito cedo, até que ponto Veiga Simão é inteligente, generoso e grande. Mas a grandeza é por definição distante. E nós fomos sempre, desde os tempos da nossa Coimbra, companheiros de todas as horas da alma: de todos os dias, de todos os entusiasmos, de todas as alegrias e tristezas. A solidariedade, entre nós, nunca precisou de ser jurada. Limitou-se a existir, naturalmente. Contemporâneos no Liceu D. João III - que o 25 de Abril viria a devolver à memória de José Falcão - eu um ano à frente dele, viriamos a encontrar-nos na prática diária dos nossos desportos favoritos: o voleibol, o basquetebol e o futebol de salão. O cenário dos nossos encontros eram as instalações da então Associação Cristã de Estudantes - o ACE, como nós Ihe chamávamos - ali à rua Alexandre Herculano, "onde em cada primavera um tronco já velho se veste de vermelho", como deixei escrito nos versos do livro de formatura de um estudante que vivia na República ali instalada, que depois do liceu veio a ser também a minha. Instalações de luxo, podem crer: ginásio, campo de ténis, balneário com água quente e fria, mesas de bilhar e ping-pong, aparelhos de ginástica aplicada. Que privilégio para estudantes não muito abonados, como nós, numa cidade em que o comum dos escolares tomava banho no Hospital da Universidade, quando tomava, a dois e quinhentos por banho! Sem qualquer actividade religlosa, a "Young Men Christian Association" (vulgo "Triangulo Vermelho") limitava-se a proporcionar à mocidade dos países em que se instalava condições de saudável desenvolvimento físico e mental. Calhou-nos sermos beneficiários desse inesperado éden. E todos os dias, com raras excepções, ali nos encontramos para a salutar prática dos nossos desportos favoritos. Lográmos adquirir uma invejável preparação fisica, ainda hoje reconhecivel no arcaboiço do Professor Veiga Simão e na invejável resistência fisica que continua a ter. Chegou a ser um bom praticante de basquetebol (nessa altura não se exigiam os dois metros de altura de hoje) e um temível ponta de lança no futebol de salão. Conquistou mesmo o cognome de "bota de ouro", cujo troféu viria a receber, anos mais tarde, em Lourenço Marques, atribuído pela Associação dos Antigos Estudantes daquela cidade, que se endividou para poder comprá-lo!... Ali voltariamos a retomar o nosso convivio diário, e não menos a prática desportiva comum, quando recebeu o encargo de instalar a Universidade de Lourenço Marques, da qual viria a ser um Reitor, não apenas honorificamente "magnifico", mas magnifico no pleno significado da palavra. A vida, aliás, fez questão de nunca nos separar. Elegemos a partir daí, com outros amigos, a praia de Monte Gordo para passarmos, com a familia, o mês de Agosto. Desde então, há mais de trinta anos, é ali que, em perfeito companheirismo, invariavelmente o passamos. Quando, sendo ele Ministro da Educação, eu vinha a Lisboa - e muitas vezes vinha - era obrigatório que nos encontrássemos. Pude assim testemunhar a azáfama da reforma do ensino que inspirou e fez, a mais profunda, inovadora e válida dos tempos modernos. Depois de Abril os nossos caminhos voltariam a cruzar-se, no quadro do mesmo Governo, do mesmo partido, dos mesmos ideais. Continuam cruzados. Continuarão cruzados. Que digo eu? Paralelos. É mais bonito e verdadeiro. 3. A "Young Men Christian Association" tinha por lema a máxima latina "mens sana in corpore sano". Veiga Simão personifica esse ideal. Mas acrescenta-lhe um dado: a "humanitas cordis". A bondade do seu coração. A vida - profissional e politica - possibilitou-me algum conhecimento dos homens. Dos céus da generosidade a que sobem, dos infernos da perfídia a que descem. Poucos conheci, se é que algum, mais humanos do que ele. A bota de ouro que Ihe oferecemos pode assim, na relat ividade das coisas, ter sido um erro. Um "coração de oiro", teria sido o troféu mais ajustado. Sempre considerei que os homens, por mais ilustres que sejam, têm o tamanho do seu coração. Quantos patifes talentosos e inteligentes. Pois bem: Veiga Simão, o meu Amigo José Veiga Simão, tem um coração do tamanho do Mundo. O ser dotado de excepconal inteligência, profundo saber e carácter de excepção, vem por acréscimo. os grandes espíritos repelem a unidimensionalidade. Nasceu bom, de pais humanissimos e de excepcional carácter. E nasceu na Guarda, a nossa Guarda, o que também ajuda! A vida, que não deixou de Ihe armar ratoeiras e de o tentar com hostilidades e malquerenças, não logrou nunca semear nele o ressentimento, a amargura, ou a vingança. Soube sempre compreender e perdoar. Continua a saber. Foi um estudante distintíssimo. Completou o curso dos liceus com a altíssima média de dezanove valores (quando a bitola não era a de hoje em dia, empolada pelo "numerus clausus") e completou a formação universitária com idêntico brilho. Licenciou-se em Ciências Fisico- Químicas com dezoito valores. Doutorou-se apenas seis anos após, em Ffsica Nuclear pela Universidade de Cambridge e em Ciências Fisico-Químicas pela Universidade de Coimbra com vinte valores. Em 1961, era Professor Catedrático por esta mesma Universidade. A escolha pela física nuclear não foi o resultado do aviso de nenhum instituto de orientação profissional, espécie que nesse então mal despontava. Ele era bom em todas as disciplinas. Teria feito, de igual modo, um brilhante curso superior de humanidades. A escolha que fez, foi já ditada pela sedução da modernidade e pela atracção das novas tecnologias que foi uma constante das suas predilecções. Talvez inclusivamente o tenha tentado a solidariedade universal de todo o Cosmos ou o desaflo da explicação do Universo. Uma coisa posso garantir: nunca foi, nem no Liceu, nem na Universidade, nem depois de formado, o tipo acabado do clássico "urso da turma", fechado para o Mundo entre os quatro cantos de uma sebenta. O urso é bisonho, inexperiente, mal vivido, pouco perspicaz, obsequioso para cima, ausente para baixo. Ele não. As tardes, dedicava-as à camaradagem e ao desporto. Quem não conhecesse as classificações que tinha, seria tentado a supor nele um cábula impenitente. E havia o interesse pelos valores da cultura, dispendiosos em atenção e em tempo. Para já não falar na atracção irresistivel dos olhos marotos da Madalena, que o prendeu aos encantos de uma avassaladora paixão que havia de conduzi-lo ao altar, ao patriarcado de um brilhante clã de filhos e netos, às doçuras de um amor que para sempre continuou e perdura. E bem sabemos que namorar, naqueles tempos de denso romantismo, era também um deleite dispendioso em tempo. Pois bem: ele arranjou sempre tempo para isso e muito mais. Até para dar explicações, que a pecúnia não abundava em casa. Era metódico, organizado e dotado dessa espantosa força de vontade que o acompanhou pela vida fora. Para além disso, nada melhor do que a inteligência - quando viva e tenaz, como a sua - que continua a ser o mais fiel aliado dos ponteiros do relóglo. 4. Apesar de igualmente brilhante nas incursões pela vida politica, Veiga Simão foi sempre, e fundamentalmente, um Professor. Ainda é. A sua verdadeira paixão profissional e anímica foi sempre, e continua a ser, a Escola em todas as suas vertentes. Quando se deixa emprestar à politica é sempre com ressalva de regresso à origem. Amou em especial e ama, como poucos, o professor primário. Prestigiou-o como Ministro da Educação. E ainda hoje a cada passo me refere que o País está em divida de homenagem ao primeiro professor, aquele que passa o testemunho a todos os outros. Quando foi Ministro da Educação, fez questão de propor e obter para minha mãe, que era professora primária, mas não benquista do regime, pelo "pecado" de ser minha mãe, uma alta condecoração que a encheu de comovente orgulho. Como o acompanho na solicitude com que encara o papel da escola primária (básica, creio eu que assim se chama agora!). Quando procuro saídas para os graves problemas do nosso tempo, vou sempre dar à escola. E de preferência à escola que inscreve na plasticina moldável que a criança é, princípios e valores indispensáveis à vida. Acompanho agora, com redobrado interesse - que não atinge o dele! - a generalização do ensino pré-primário, no qual vejo um principio de contraditório da nefasta influência da "universidade" televisiva na formação das crianças. Dizem-me que, quando chegam ao ensino básico, já levam quatro a cinco mil horas de televisão! Que horror!... Conhecemos a televisão que temos e a tónica das suas emissões. Quatro a cinco mil horas em frente da televisão significarão, o mais das vezes, igual tempo de espectáculos de violência, competitividade, consumismo, publicidade, sensacionalismo, pornografia. Que lesões definitivas na alma indefesa de uma criança? Consciente de que, na competição entre a escola e a TV, esta ganha e a escola perde, porque a TV é lúdica, não obriga a estudar, não dá notas, não ralha nem passa exercícios de casa, Veiga Simão, enquanto Presidente da Comissão para o Ano Europeu da Educação e Formação ao Longo da Vida, inspirou e dirigiu a elaboração de uma "Carta Magna da Educação-Formação ao Longo da Vida", que foi apresentada e discutida, na minha presença, e com a minha intervenção, na Sala do Senado da Assembleia da República. Um documento inovador, mesmo revolucionário, portador de esperança. Que consagra a indissolubilidade do binómio educação-formação, difunde uma visão integrada dos agentes da sua efectivação, e alarga a sua cobertura temporal, numa concepção original de educação- formação ao longo da vida. Dei por mim a dizer: deseducação e deformação obrigatórias do berço à cova já temos. São as ministradas pela TV. Ou bem que Ihes neutralizamos os efeitos negativos, fazendo com que os outros agentes do ensino acompanhem o cidadão durante toda a vida, segundo um principio de educação permanente, ou bem que encomendamos a tal República incivica que já hoje povoa de receios os melhores pensadores. Mas tive aí o prazer e o orgulho de ver confirmada no meu amigo Veiga Simão a insatisfação de sempre com os ínvios caminhos do nosso sistema educativo. Lutou nomeadamente contra eles, inovando sempre, na criação e direcção da Universidade de Lourenço Marques, à qual imprimiu um cunho pessoal de democraticidade, modernidade e eficácia. Lutou sobretudo contra eles, enquanto Ministro da Educação, quando acreditou mais do que ela merecia na chamada "primavera marcelista", impondo a mentes que repeliam a modernidade, a mais profunda, integrada e inovadora, reforma do ensino até hoje conhecida. Este facto é comumente reconhecido, inclusive pelos seus detractores mais sectários. E só foi possivél porque Marcelo Caetano, conservador e até reaccionário em política, era sem embargo um ilustre Professor de Direito, com ideias não de todo enferrujadas em matéria de ensino. Um dos seus primeiros actos como Ministro da Educaçao foi pacificar pela tolerância e pelo diálogo a rebelião grassante na Universidade de Coimbra - e não sei se na de Lisboa também - onde um generalizado boicote de protesto político aos exames havia desencadeado acções repressivas que incluíram o recrutamento antecipado e compulsivo dos alunos recalcitrantes para a prestação de serviço militar. Um dos últimos foi criar o Instituto Politécnico da Covilhã, germe da Universidade da Beira Interior, que hoje o gradua entre os seus Doutores. Já então fiel à concepção de que era mais prático, mais fácil, e mais barato fazer desiocar um limitado corpo docente do que uma gigantesca massa discente. A sua reforma não chegou a ser plenamente experimentada. A explosão escolar que se seguiu ao 25 de Abril e à descolonização, de par com as excessivas permissividades do PREC, viriam a comprometer a prova real do seu êxito. Mas, se isto é verdade, não o é menos que, na sua estrutura fundamental, resistiu até hoje. Após uma primeira incursão pela politica, Veiga Simão havia de regressar à sua paixão de sempre - o aperfeiçoamento do sistema de ensino. Assim veio a ser Professor Catedrático contratado, Membro do Senado, Membro do Conselho Cientifico e Director do Gabinete de Pós-Graduação da Universidade que hoje Ihe outorga o titulo honorifico de "Doctor Honoris Causa". Assim preside ao Conselho de Planeamento Estratégico da Universidade Internacional e aceitou ser consultor de várias Uníversidades Públicas e Privadas. Foi ainda assim que até à recente nomeação como Ministro da Defesa assumiu a presidência do Conselho de Avaliação da Fundação das Universidades Portuguesas, exercida, como sempre, com assinalável brilho. Aceitou os cargos de Perito do Programa de Reforma Legislativa do Conselho da Europa, centrado no Ensino Superior e na Ciência dos Países de Leste, de Membro Eleito do "Steering Commitee" do programa de Reforma Legislativa para o Ensino Superior do Conselho da Europa e de Governador da Agência Internacional de Energia Atómica das Nações Unidas. 5. O seu curriculum ligado aos temas da educação é tão vasto que seria fastidioso reproduzi-lo aqui, ainda que circunscrito ao essencial. Mencionarei apenas mais o seguinte: regeu nas Universidades de Coimbra e de Lourenço Marques as cadeiras de Fisica Atómica, Fisica Médica, Termodinamica, Mecânica Física, Óptica, Química-Fisica e Sociologia para engenheiros; regeu a cadeira de Grandes Problemas Contemporâneos na Universidade Internacional de Lisboa; orientou colóquios sobre "Comparative Analysis of Education Sistems" na Universidade Yale, na qualidade de "Visiting Fellow; orientou inúmeras teses de mestrado e foi arguente no respectivo doutoramento. Ainda com ligação à actividade docente, é autor de numerosos trabalhos científicos e técnicos, de uma vasta colaboração em revistas da especialidade e em colóquios sobre problemas educativos e formativos, científicos e tecnológicos, industriais, energéticos, de inovação, desaflos da sociedade da informação e competitividade. E foi coordenador de importantes trabalhos ligados à Reforma do Sistema Educativo, à Modernização e Expansão do Ensino Superior, ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Transformadora Portuguesa, (este em colaboração com o Banco Mundial e o "Massachusetts Institute of Tecnology"). Elaborou ainda ou colaborou na elaboração de Planos Estratégicos para a Universidade de Aveiro, a Universidade Aberta, a Universidade do Algarve e esta Universidade da Beira Interior. Entre 1978 e 1983, e entre 1985 e 1992, dedicou- se de alma e coração à criação, instalação e direcçao do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (LNETI) de que foi ilustre Presidente. É uma das suas mais relevantes realizações. Concebeu-o a partir do zero. obteve financiamentos do exterior, construiu-o, organizou- o e pô-lo a funcionar com um esforço pouco significativo do erário público. Era uma estrutura que faltava ao Pais, tecnologicamente pouco desenvolvido. Passou a haver, do ponto de vista tecnológico, um antes e um depois do LNETI. Quando deixou a sua Presidência, vítima de incompreensões, e talvez de invejas, o LNETI cobria uma larga faixa das suas despesas de funcionamento com o produto das receitas cobradas por serviços técnicos prestados ao parque industrial português. Com a sua saída, o Laboratório perdeu vitalidade, perdeu qualidade, perdeu altura, minimizou receitas. É hoje um pálido sobejo daquilo que foi. Era, prestigiado, a imagem do seu criador. É, empobrecido, a imagem de uma criação que fenece. Não me perguntem onde encontrou ele tempo e energia para tão prodigiosa actividade. Apesar de o conhecer muito bem, tenho de reconhecer que não sei. Sei sim que dorme pouco, como muitos dos grandes homens, e que, quando é preciso, suprime o sono. Em vez de satisfazar essa legítima curiosidade, reforço-a. É que nunca foi homem para se deixar aprisionar numa só dimensão. E enquanto se dedicava a todas as mencionadas tarefas, aceitava colaborar generosamente em prestigiosas instituições como a "Portuguese Heritage Foundation", dos E.U.A., como Director, a Fundação Pro-Dignitate. como Membro do seu Conselho de Curadores, a Fundação Calouste Gulbenklan, como Membro do seu Conselho Consultivo, a Fundação Bissaya Barreto, como Presidente do seu Grande Conselho. Se a isto juntarmos, sem ir ao fundo da mina, a Presidência da Assemblela Geral da Exponor e a Consultoria Técnica de diversas Empresas, temos, agora sim, uma noção mais aproximada do prodigioso dinamismo e da singular polivalência do seu espirito multifacetado. Dito isto, será que alguém se espanta de ter quase tantos Doutoramentos "Honoris Causa" e quase tantas condecorações como o Dr. Mário Soares? Dos doutoramentos, citarei apenas os que Ihe foram conferidos pela Universidade de "Witwatersrand" (África do Sul) pelo "Lesley College", de Cambridge (E.U.A.) e pela Uni versidade Eduardo Mondlane de Moçambique, além de diversas Universidades Portuguesas. A sua dimensão de homem e cientista que não cabe nas fronteiras do seu país, foi assim reconhecida. Que as universidades portuguesas tenham reconhecido o que Ihe devem, é apenas um acto de elementar justiça. Deste modo, para ele, receber tão alto e prestigioso galardão, é quase um hábito. Nesta mesma cerimónia, o único que está nervoso, sou eu. Mas ia em dizer que o presente doutoramento não é para ele apenas mais um. Este tem para ele o particular sabor de provir de uma universidade jovem, da sua Beira Interior, da qual foi o criador, e da qual foi Professor Catedrático contratado, e que agora fez questão de juntar ao mais alto Mérito, a mais suprema Honra. Confesso-vos que, após ter tentado sumariar tão luxuoso "curriculum", chego aqui cansado. Ele não se cansou a justificar o "curriculum". Quem se cansou fui eu a lê-lo! Demonstrado fica quão relativo é o tamanho dos homens! Não me levem pois a mal que não mencione todas as condecorações que Ihe nominalmente ornam o peito. Conheço-lhe a modéstia ao ponto de nunca Ihe ter visto de facto o peito ornado com alguma delas. Mas não posso deixar de referir a Grã-Cruz da ordem de Cristo, a Grã- Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, O Grande oficialato da ordem do Império, a Grã-Cruz da ordem do Cruzeiro do Sul, o Grande Oficialato da ordem Educativa do Brasil, a Grã-Cruz da Ordem de Leopoldo da Bélgica, a Grã-Cruz da ordem da Instrução Pública e a Grã-Cruz da ordem de Santiago e Espada. Distinções de sócio honorário, cidadão honorário e medalhas de ouro já ficam para lá da minha capacidade de a todas mencionar. Os médicos não me recomendam esforços violentos. 6. Veiga Simão teve, desde cedo, a compreensão de que, fazer politica, é a maneira mais segura de praticar o bem em ponto grande. Dar esmola aos sábados também conforta a alma. Mas pouco. Tomar a medida politica acertada, na hora certa, pode evitar o sofrimento ou promover a felicidade de muitos. Às vezes um povo inteiro. De igual modo: preparar jovens para a assunção de futuras responsabilidades, profissionais, politicas ou outras, é sem duvida uma tarefa sedutora. Afinar o sistema em que se enquadra essa preparação, potenciando a sua eficácia e sofisticando a sua excelência, é preparar quem prepara, é preparar globalmente melhor. Foi na sequência desta visão das coisas que Veiga Simão aceitou a árdua missão de reformar o nosso anquilosado e semi-escolástico sistema de ensino. Julgou, como tantos outros, que o fazia no desabrochar de uma primavera politica. Não viria a florir. Mas, no Ministério que foi o seu, deu flor por obra sua. A abertura e o espirito verdadeiramente reformador e democrático que imprimiu à sua reforma viria a grangear- lhe invejas e detracções nos arraiais do poder. Mas - honra Ihe seja - o Professor que em Marcelo Caetano havia, deu- lhe sempre a necessária cobertura. À entrada da conjuntura que precedeu o 25 de Abril, a reforma estava feita e a funcionar Fui testemunha da popularidade que esse sucesso Ihe granjeou. Tempos volvidos sobre o 25 de Abril, ainda Veiga Simão era uma das personalidades mais conhecidas e estimadas do contexto politico. Com o contraponto - claro! - de alguns inimigos de estimaçao. A revolução surpreendeu-me em Lisboa, e aqui me prendeu por largos dias, tantos quantos os do encerramento do aeroporto da Portela. Acompanhei de perto, e com natural entusiasmo, o alvor da liberdade. E posso testemunhar que o Prof. Veiga Simão, no dia da eclosão do movimento, esteve pacatamente no seu Gabinete de Ministro a arrumar papeis, sem medos ou complexos de culpa de que outros agudamente padeceram. Mais: posso asseverar que o seu nome esteve na mente do General Spinola como possivel candidato ao cargo de Primeiro Ministro. Dias depois desse dia memorável, convidou-me a ir a sua casa, onde até altas horas trabalhamos num primeiro esboço do Programa do Governo Provisório. Quando de Lourenço Marques voltei, para o inicio de uma carreira politica activa que, sem interrupção, ainda dura, era ele um dos principais conselheiros do Presidente da República. Muitas vezes me servi dessa sua posição estratégica para que me ajudasse a vencer uma que outra teimosia do Presidente. Por fim, chamava-nos ele muitas vezes em simultaneo para se fazer aconselhar por nós. Foi assim com inteira justificação e naturalidade que foi nomeado Embaixador de Portugal junto das Nações Unidas, no difícil periodo do degelo do isolamento internacional herdado. Desempenhou esse cargo com excepcional competência e patriotismo. Desbloqueou caminhos. Derreteu "iceberques". Quando me desloquei a Nova lorque para prorir um discurso sobre o problema da descolonização na Assemblela Geral das Nações, pude verificar com que destreza se movia nos corredores daquela Casa Grande, aí onde se fazem e desfazem acordos e convénios. Gozava de enorme popularidade entre os colegas de não importa que pais, já amigo ou ainda não. Recordo que pude jantar na sua casa com o Embaixador da China, num momento em que este país relutava ainda em restabelecer relações diplomáticas connosco. Usava o seu excepcional poder de simpatia instintiva com êxito inalcançável por ardis de chancelaria. Os excessos do PREC viriam a desencantá-lo da intervencão politica. Mas com direito a recaída. Nas eleições legislativas de 1983, aceitou candidatar-se como Deputado pelo circulo eleitoral da Guarda (que outro poderia ser?) e pelo Partido Socialista, de que passou a ser militante. Popularissimo, como era, foi naturalmente eleito. Mas não viria a aquecer a sua cadeira no hemiciclo de S. Bento. Mário Soares, de novo Primeiro Ministro, convidou-o para a pasta da Indústria. Descobriu nela uma nova vocação. E, polivalente como é, rapidamente se adaptou ás exigências do seu novo posto. Como seu colega de Governo, pude testemunhar a excepcional gestão que fez desse seu novo mister. Eram tempos dificeis para os industriais portugueses. As vacas andavam magras. E o "el dorado" dos apoios comunitários vinha longe. Ainda assim, o Ministro Veiga Simão não se limitou ao decreto-lei genérico e não solícito, nem ao despacho frio e distante. Entrou em diálogo directo com todos e cada um dos industriais carecidos de ajuda e prodigalizou-a sempre que possível. Vem dai o prestigio que ainda hoje goza junto de um vasto lote de industrisis portugueses. Quando foi de novo chamado, agora ao actual Governo, para desempenhar a nobre e dificil pasta da Defesa, repartia-se entre a presidência do Conselho de Avaliação da Fundação das Universidades Portuguesas e a função de Consultor da Associação Industrial Portuguesa. Na pasta da Defesa, está como peixe na água. Embora sem antecedentes castrenses, abundam nele o patriotismo, a autoridade, a prudência e o "savoir faire" que o cargo exige. Mas não recebeu o Ministério em fase de águas paradas. Pelo contrário, cabe-lhe a missão, nada fácil, e muito menos pacífica, de introduzir na lei ordinária, e no "statu quo" da organização militar, as significativas novidades constitucionais introduzidas na última revisão. Desde logo o fim do serviço militar obrigatório. A partir dessa revisão, a natureza do serviço militar tanto pode ser obrigatória como voluntária. Mas, se a Constituição abre ao futuro em alternativa, a opinião pública está madura para só aceitar uma solução voluntarizada. E ele atento a ela. Estamos assim - cá dentro como lá fora - no limiar de uma Nova ordem Militar, a partir, entre outras razões, de um novo conceito estratégico de "inimigo'. Definir-lhe os contornos, eis o desaflo que ao actual Ministro se coloca. Não duvido de que também este desafio vai ser por ele vencido. Também se não entremostra de fácil gestão a satisfação dos compromissos internacionais do Estado Português, designadamente no quadro da NATO, no que diz respeito à participação das nossas Forças Armadas em "missões humanitárias e de paz assumídas pelas organizações internacionais de que Portugal faz parte". É exemplo disso a complexa decisão sobre a participaçao de efectivos militares portugueses no conflito do Cosovo. A pasta da defesa continua a exigir do respectivo Ministro altos níveis de ponderação, bom senso e capacidade de decisão. Veiga Simão tem tudo isso. 7. Que belo "curriculum" meus senhores!... Que vida cheia!... Que elan vital!... Que novas surpresas e novos prodigios nos prepara este atlante do pensamento e da acção? Tudo foi acontecendo como se, ao aproximar-se dos segredos da divisão do átomo, tivesse ficado impregnado do espirito de inovação e modernidade que nisso havia! Cedo familiarizado com os últimos avanços da ciência, ficou para sempre adiantado em relação aos homens do seu tempo. Num Mundo de mochos cegos pela luz, observa a realidade de cima com olhos de águia. Por isso, este doutoramento, que a justo titulo é "honoris causa", podia a igual titulo ser "sapientiae causa", ou "humanitatis causa". Essas e outras causas cabem, sem a esgotar, na sobredotada personalidade do ilustre Doutorando. Nestes singelos termos, Magnifico Reitor, cumpro com orgulho o grato dever de, com a devida vénia, pedir para o Prof. Doutor José Veiga Simão, o alto grau de "Doctor Honoris Causa" pela Universidade da Beira Interior. |
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